É seu primeiro dia de faculdade. Você entra no campus e todo mundo te reconhece e te cumprimenta como um velho amigo, mas você não conhece ninguém. Tudo fica mais estranho quando um estudante olha para você e pergunta: você nasceu no dia 12 de julho de 1961? É adotado?
Assim começa o documentário Três Estranhos Idênticos, do Netflix. Uma história que beira o inacreditável, em que trigêmeos idênticos, separados ainda bebês em processos de adoção, descobrem aos 19 anos a existência um do outro.
Não vou dar muito spoiler aqui, mas a história vai mais longe do que o já surpreendente reencontro dos irmãos. Embora tenha momentos divertidos e engraçados, vai se tornando um tanto sombria e quase surrealista a partir de certo ponto.
Genética ou Ambiente?
Mas o motivo que me leva a trazer essa história aqui é uma das discussões do documentário, que também é uma antiga questão que divide psicólogos e filósofos, o “nature versus nurture” ou, em português, “natureza versus criação”. Afinal, nossa personalidade e nossa forma de agir no mundo são resultado da genética ou do ambiente em que somos criados? Quais aspectos são incorporados em nossos genes antes do nascimento e quais aprendemos com a cultura e a interação? Esta é uma discussão longa e antiga, que divide pesquisadores. Quem sou eu para dar uma resposta? O que posso dizer é que, hoje, mais e mais cientistas e psicólogos acreditam que esta é a pergunta errada. A neurocientista Lisa Feldman Barrett, em seu livro “Seven and a Half Lessons About the Brain”, ainda sem tradução em português, afirma que essa distinção é ilusória. Entrelaçados?“Não podemos atribuir causas apenas aos genes ou apenas ao meio ambiente, porque os dois são como amantes em um tango ardente – tão profundamente entrelaçados que é inútil chamá-los de nomes separados como natureza e criação”, escreve Barrett no livro.
E ela dá um exemplo incrível. Você sabia que a visão de recém nascidos mamíferos não se desenvolve plenamente se eles não forem expostos à luz regularmente, ainda que sejam fisicamente perfeitos? A interação com o ambiente é essencial para isso.
Outro pesquisador, Joseph Henrich, afirma que a nossa própria evolução, a partir do conceito de Darwin, não é simplesmente genética, mas sim que ela se dá a partir de uma co-evolução gene-cultura, em que a interação social tem um papel fundamental.
Por que este tema é relevante para a aprendizagem de adultos?
Se nosso desenvolvimento fosse puramente ou majoritariamente genético, até que ponto poderíamos escolher nossos caminhos de desenvolvimento? Até que ponto poderíamos aprender coisas novas? Muito pouco.
Há vários aspectos que poderiam ser explorados na relação entre esta discussão e aprendizagem, mas queria enfatizar um ponto: a importância do mindset ou mentalidade de crescimento, conceito criado pela psicóloga Carol Dweck.
A crença de que somos capazes de aprender é o primeiro passo para conseguirmos. Se não acreditamos, não nos mobilizamos. Por exemplo, se achamos que não somos bons em matemática e que não há o que fazer, aí é que não aprendemos mesmo.
Hoje, está provado que a plasticidade cerebral permite que nós possamos aprender coisas novas mesmo depois de adultos. Se fôssemos movidos só pelos genes, isso não seria possível. Não somos uma “tábula rasa”, mas nosso destino também não está totalmente traçado pela nossa herança genética.
O documentário Três Estranhos Idênticos mostra um pouco de como isso acontece, a partir de uma história real, surpreendente e um tanto obscura. Algumas pistas parecem levar à ideia de que genética fala mais alto, mas aos poucos vamos percebendo que talvez não seja bem assim.
Vale assistir e tirar suas próprias conclusões. Como todo bom filme, o assunto rende muito depois que ele termina. Aqui em casa gerou bons debates.