Certo dia, um elefante chegou à cidade pela primeira vez. Um grupo de homens cegos soube da presença do animal e decidiu tentar compreendê-lo pelo toque. Cada um cuidou de uma parte do elefante. O primeiro mexeu na orelha e disse que ela parecia um leque. Outro tocou as pernas e afirmou que havia semelhança com um tronco. O terceiro examinou a tromba e associou a uma cobra.
Nenhum deles chegou à imagem de um elefante e nem a soma de seus achados se assemelhava ao animal.
Esta é uma parábola budista bastante conhecida. Mas por que conto isso logo aqui, num artigo sobre transdisciplinaridade?
Porque ela é uma ótima analogia para lidar com a questão que a transdisciplinaridade levanta. O “todo” de um sistema, normalmente, é maior do que a soma de suas partes.
Disciplinas
Desde a escola, aprendemos por meio de disciplinas bem separadas, com horários determinados para cada uma delas: português, matemática, física, história… E depois, seguimos da mesma forma na universidade e no trabalho.
Só que a realidade é bem mais complexa do que a soma destas disciplinas.
Por exemplo, uma ponte. Para construí-la, basta um bom engenheiro? Talvez. Mas, pense no impacto de uma ponte: ela envolve diversas outras questões, trata-se de uma região com muito fluxo de pedestres ou de carros? De que forma as pessoas se locomovem antes de sua construção? Qual será seu impacto no tráfego, na economia, no meio ambiente, na vida das pessoas?
É possível que engenheiros cheguem à conclusão de que o melhor lugar e forma de construir a ponte sejam um, mas sociólogos ou antropólogos cheguem à conclusão de que sejam outros, e ambientalistas podem chegar a uma terceira conclusão. Provavelmente, um olhar que, através da troca e do compartilhamento, leve em conta todas estas perspectivas chegue a um resultado que nenhuma das partes teria avançado sozinha.
Por que isso é importante para o mundo de hoje?
Vivemos uma realidade complexa. Até criamos siglas para isso: o mundo VUCA é volátil, incerto, complexo e ambíguo. Outra alternativa, o mundo BANI, também é uma forma de expressar essa complexidade: Frágil (Brittle), Ansioso, Não-linear e Incompreensível.
O conhecimento compartimentado não dá mais conta de uma realidade que se transforma cada vez mais rápido.
Nós dividimos conhecimento porque isso nos ajuda a aprofundar em um assunto. Não há nada de errado nisso. É claro que a especialização tem um lado positivo. Possivelmente, muitas das grandes invenções da humanidade não teriam sido criadas sem a especialização.
O problema, talvez, resida no fato de nos restringirmos a ela.
Nós tentamos simplificar um mundo complexo. A realidade é complexa, no sentido de que não é possível controlar todos os fatores e determinar seus resultados.
Para lidar com um mundo complexo, além da especialização, precisamos da transdisciplinaridade, que vai além da interdisciplinaridade, porque é uma forma de ir além da soma das partes.
Pausa
Vamos fazer uma pausa aqui. Respirar fundo. Para muita gente, tudo isso pode parecer demais. Gerar mais ansiedade do que respostas. Afinal, se mal damos conta da nossa especialidade, como lidar com um mundo complexo, com tanta informação e tantas possibilidades?
A ideia da transdisciplinaridade não é que todo mundo saiba tudo. Talvez, aqui tenhamos uma interseção com o lifelong learning – aprendizado ao longo da vida (tempo) – e mais ainda com o lifewide learning – aprendizado por todos os espaços da vida. Tem mais a ver com uma postura de abertura e curiosidade em relação ao mundo do que com saber tudo que se apresenta à nossa frente (o que é também impossível!).
Transdisciplinaridade e Aprendizagem Corporativa
Então, de que forma a transdisciplinaridade pode nos ajudar na aprendizagem corporativa?
Penso em dois caminhos complementares: 1. o olhar para a aprendizagem por desafios e problemas e 2. a transdisciplinaridade como uma habilidade
Neste primeiro caminho, a aprendizagem baseada em problemas reais e trabalhada de forma colaborativa, com times multidisciplinares, pode apoiar a transdisciplinaridade. Em outras palavras, trazer um problema real para a mesa e juntar um time de pessoas de áreas e especialidades diferentes para pesquisar, refletir e construir a partir dele de forma aberta é uma estratégia possível.
Neste caso, mudamos a mentalidade de educação baseada em conteúdos previamente determinados, para uma aprendizagem coletiva baseada em situações do mundo real, com toda a sua complexidade.
Outra abordagem é pensar na transdisciplinaridade como uma habilidade. O relatório “Habilidades do futuro do trabalho 2020” apresentou a transdisciplinaridade como das 10 mais relevantes para o profissional desta década.
“O profissional ideal da próxima década é ‘em forma de T’ – eles trazem uma compreensão profunda de pelo menos um campo, mas têm a capacidade de conversar na linguagem de uma gama mais ampla de disciplinas. Isso requer um senso de curiosidade e uma vontade de continuar aprendendo muito além dos anos da educação formal. Como a vida útil prolongada promove várias carreiras e exposição a mais indústrias e disciplinas, será particularmente importante para os trabalhadores desenvolver essa qualidade em forma de T.”
Então, quando estamos sendo transdisciplinares?
Na minha visão, quando o conhecimento acadêmico formal dialoga com a experiência informal. Quando a curiosidade abre espaço para novos questionamentos que aprofundem e tirem da zona de conforto. Quando nos baseamos em problemas e desafios, não em conteúdos e disciplinas. Para isso, é preciso ir além da visão limitada de que cada um deve atuar e conhecer apenas suas áreas de especialidade. Estar aberto ao novo e ao diferente é essencial.
Resumindo
Para um mundo complexo, pensar em caixas, de forma fragmentada, não é suficiente. A transdisciplinaridade se propõe, a partir da curiosidade, a apoiar a aprendizagem por meio de perguntas, desafios e problemas reais, de forma colaborativa e, muitas vezes, inusitadas e por caminhos novos.